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Jacaré e o Manguebeate


Há três décadas nascia, no Recife, o manifesto "Caranguejos com Cérebro" escrito pelo músico e jornalista Fred Zeroquatro (Mundo Livre S.A). Esse manifesto não apenas denunciava a pobreza e a estagnação cultural que caracterizavam o início dos anos 90, mas também apontava para a negligência ambiental que permeia a sociedade da época. De maneira simbólica, os "Caranguejos com Cérebro" do manifesto deu vida aos "homens caranguejo", personagens do único romance de Josué de Castro, renomado cientista político e escritor pernambucano dedicado ao combate à fome no Brasil. O manifesto reverberou não apenas localmente, mas alcançou projeção nacional e internacional, consolidando-se como um dos maiores movimentos de contracultura das últimas décadas.


Em uma era em que a internet dava seus primeiros passos, esses visionários já estavam imersos em conceitos tecnológicos, dando origem ao revolucionário movimento "Manguebeat" ou "Manguebit". O termo é a fusão entre "mangue", o principal ecossistema da costa nordestina e berço da cidade do Recife, e "beat" ou "bit", referentes às batidas eletrônicas e linguagens binárias. O caranguejo, símbolo da diversidade e resistência biológica desse ambiente, com sua antena parabólica cravada na lama, personifica a poderosa ideia de pensar globalmente enquanto age localmente. Uma imagem que simboliza a preocupação dessa geração com o ativismo social e a preservação do meio ambiente, integrando a inovação tecnológica com a consciência ecológica. O Manguebeat, assim, transcende as fronteiras musicais, tornando-se uma expressão holística que ecoa não apenas na mistura de ritmos e conceitos, mas também nos valores de diversidade, resistência e sustentabilidade.


Para além da música, o Manguebeat consolidou uma cena artística completamente inovadora e impulsionada por uma estética mangue, a qual o artista Jacaré colaborou, compondo um extenso e intenso legado de artistas plásticos que o movimento gerou. Quando o Manguebeat nasceu, o artista já estava imerso no universo da arte-reciclagem, e logo absorveu o potente ecossistema cultural que se firmava na cidade. Movido por sua paixão pela música, Jacaré começou a dar vida a personagens carregados de simbolismos e trilhas sonoras. Durante esse período efervescente, ele participou ativamente de ateliês coletivos, organizou exposições, decorou palcos e festas, concebeu figurinos e objetos cênicos, além de conduzir dezenas de oficinas de arte-reciclagem, em especial, no importante festival “Acorda Povo”.


Jacaré foi um dos oficineiros do projeto e acompanhou de perto a articulação entre o Manguebeat e os grupos e coletivos nas periferias do Recife, uma articulação que resultou num festival, que levou música, cultura e informação à periferia da cidade. Uma programação diversificada, que atendia várias faixas-etárias incluindo shows, mostras de cinema, palestras e debates, além de uma variedade de oficinas de arte-reciclagem, grafitagem e moda. Essa iniciativa não apenas fortaleceu a dinâmica cultural antromangue nas comunidades, mas também promoveu a inclusão social por meio do acesso à educação artística e profissionalizante.O legado dessas ações ressoa ainda hoje, destacando o impacto duradouro do movimento não apenas na música, mas também nas expressões artísticas e na comunidade em geral.


Em 2022, celebrando os 30 anos do Manguebeat, Jacaré participou da exposição "Pernambuco embaixo dos pés e minha mente na imensidão", uma colaboração entre a Fundação Joaquim Nabuco, Biblioteca Blanche Knopf e o Programa Manuel Bandeira de Formação de Leitores da Prefeitura do Recife. A exposição inclui obras de arte e documentários sobre a efervescência cultural dos anos 90.


Além disso, esteve presente na 22ª edição da Fenearte, participando do painel Conversas Instigantes, no espaço dedicado à arquiteta Janete Costa. O evento reuniu artistas para discutir o fazer cultural durante a era do Manguebeat.


O artista também contribui para o filme premiado "Manguebit" de Jura Capela, lançado recentemente e exibido em festivais nacionais e internacionais. O documentário explora a essência musical e estética do Manguebeat, na década de 90, que transformou a visibilidade das periferias e das manifestações culturais do Recife, colocando Pernambuco no mapa do mercado global.

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#manguebeat #arte #meioambiente

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